sábado, 27 de fevereiro de 2010

Luz... Now, I Can See

Ele se vai novamente, constatava em sua confortável posição no sofá. Pés para cima, joelhos dobrados, um falso relaxar. É mais uma entrega ao inevitável, uma pose que dizia ‘para que brigar se o segredo deixou de sê-lo ao ser dito? E se ao ser dito perdeu a presença e o conflito?’. Mas desta vez, por mais que ela soubesse de antemão que obviamente ele partiria, não fazia sentido pensar ‘eu já sabia’, porque não era novidade para ninguém. Então não haveria motivo para mágoa, seus pulmões pensaram numa inspiração. Porém, a despeito da razão não encontrar motivos para as aflições, a angústia não disfarçava correr por suas veias.

Os dedos tamborilavam adrenalina no braço do sofá, esperando para o momento em que o raciocínio cedesse e deixasse a potência feminina responder à dor. A cabeça pendeu para trás, deitando os fios com uma delicadeza inocente. Suspirou numa tentativa de afastar o revolver do, há muito, de(sen)cantado. Revoltos, porém, os sentimentos se misturavam sem visível distinção. O que ela mais temia.

Numa expressão de fraqueza, não se forçou mais a pensar, nem mesmo a se manter serena e firme. Isso a deixava respirar sem conflitos, os quais apenas existem na presença da razão que ela acabara de abrir mão – nem que por meros minutos. Podia sentir a paz no frescor do ar, no relaxar dos olhos cansados que se fechavam lentamente; no corpo todo, que longe do pensar deixava-se soltar e pesar sobre os milímetros do sofá, sem vontade de se concentrar em mais nada.

Ela estava livre, em paz, aconchegada em seu ninho seguro no meio da tempestade. Feições de criança quando dorme. Seu coração sabia que agora podia ser sem intromissão da linguagem-verbo. A cabeça, desta vez, pedia calma.

Com olhos sem abrir, os sentimentos enxergava. A intensidade arrebatava os segundos de imobilidade. Ela sentia tudo, apenas e exatamente deixando-se sentir o mais que havia nisso tudo. A pressa da serenidade, a dor misericordiosa. Uma luminosidade sentida, tateada. Um momento divino na escuridão da mágoa. Um clarear sem palavras. Descia a lágrima atravessando o mundo, como a gotinha escorrendo pela folha de pouco tempo atrás.

Seus olhos estavam cerrados, como prometido. Foi o tato que a mostrou os rastros desta vez. Ela se encolheu fugazmente em si mesma num movimento mínimo, não de derrota, mas de destino. Ainda de olhos fechados, as sobrancelhas mostravam como aquilo era doído. Uma dor de não haver mais nada a ser dito.

Numa ânsia de botar-se pra fora de si, ela não bem compreendeu, mas fortemente sentiu a conclusão equivocada do sentimento que não cabia em uma só palavra. No dia em que deixara mais que seus sonhos caírem ao chão, inverteu a sentença do seu coração. Sim, não era mais amor; porém - ao contrário do que afirmara a si mesma e àquele que partira - era muito, muito maior do que sempre fora. E isso fez toda a diferença.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Cuando Acaba la Noche

"É a liberdade de um que se conecta com a liberdade do outro. Nós amamos a ausência de definição do outro, não suas características marcadas e consolidadas." (GITTI, Gustavo; disponível em: http://nao2nao1.com.br/)

Tem vezes que é tão intenso e desordenado que não dá pra escrever. Não um desordenado que não faz sentido, mas daquele que palavras dificilmente conseguem captar. É engraçado como essa sensação mexe no imaginário; faz correr a cortina que tampava a entrada da ponte. A ligação sempre esteve lá, porém jamais sentimos que podíamos atravessá-la e revisitar momentos de outra época que sabemos muito bem qual seja. Mas agora, não por um motivo facilmente palpável, a cortina pareceu-nos tão berrante e a passagem tão clara... foi como um convite. E simplesmente aceitamos, sem saber que estávamos num mesmo momento.

Nostalgia descreve quase bem o que senti, embora cada palavra tenha sido diferente de tudo que eu havia pensado para aquela ocasião – caso ela realmente viesse a acontecer. Estranho complementaria a nostalgia. É isso que dá quando somos surpreendidos pela novidade do óbvio. Recaminhar pelo mesmo espaço com uma nova luz e uma decoração mais leve que pedia para ser vista e admirada; foi exatamente o que fizemos. O que antes estava tão quieto e escondido, agora pedia para ser notado; mais, até. Explorado. Mas a exploração não estava compassada, meus passos se empolgavam enquanto os seus apenas queriam caminhar, sem aumentar o ritmo. Sem coragem para pedir que me acompanhasse, cedi. Apenas freei e senti o seu compasso tomar conta da minha contenção. Era o seu ritmo que estava no ar, nas paredes, nas entranhas daquele lugar. Preenchia tudo, eu não podia me apoderar disso. Afinal, o primeiro passo fora seu e isso fez toda a diferença.

E então percebi que não queria que fosse assim, mas também não queria mudar o que estava sendo. Apenas não queria a conclusão, mas a confirmação de que algumas coisas simplesmente continuam traçando suas histórias, sem cogitarem um fim.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Sinais são viscerais

Ela, nervosa, oscilava em toc-tocs um andar constante e oco. O taco do chão brilhava com as formas destorcidas que quase se refletiam na claridade do dia. A cortina de algodão leve não aprendera ainda como escapar de uma janela escancarada. A criancice do vendo brincava com as formas do pano, que até pediria para ser liberto e levantar voo se a dona do quarto não estivesse tão entretida em suas próprias passadas.

Dentro daquele vestido verde musgo ela parecia até planta, parecia até musgo, daqueles que ficam mais belos quando vistos de pertinho. As mãos se entrelaçavam, os dedos ansiosos não sabiam mais a que mão pertenciam; eram apenas dedos, que se estalavam esporadicamente e apertavam-se constantemente. Os cílios escuros e compridos protegiam olhos que tremiam úmidos. Eles não sabiam como disfarçar que o motivo do tremor estava na tela do computador, na cabeceira da cama, no quadro de fotografias. A garota tinha olhos sufocados, pelo agora estranho que a encarava em todas aquelas fotografias. Ela queria disfarçar-se para não ser vista nem por si mesma, queria ficar do verde do vestido, e estava conseguindo. As mãos se lançaram contra o estômago e logo à boca, enquanto envergava-se e corria banheiro adentro. Apenas abaixou e deixou que o corpo fizesse o restante do trabalho.

Ardia, quando tudo subia. Realidade indigerível. Ou talvez estivesse estragada desde a ingestão, ela pensou enquanto abstraía as contrações que ejetavam mudanças no vaso sanitário. Olhou para o estrago e lembrou como fora difícil de engolir sua última refeição. Talvez histórias sejam perecíveis, afinal, ou tenham que ser conservadas em lugares secos e arejados. Mas estava tudo tão úmido há tanto tempo. E agora, a garota suava frio, não mais esverdeada.

O armário sob a pia dava um bom encosto. Ela se apoiou ali esperando as forças darem o ar de sua graça. Um telefone anunciava, de algum lugar no quarto, que sabia cantar. A menina do vestido verde musgo ajoelhou-se e deu descarga em seus afetos indigeríveis. Respirou fundo entre o incômodo do mal-estar e o do toque do celular. Não fez questão nenhuma de se apressar. Quando voltou ao quarto, o telefone havia se cansado sobre a cama. Uma ligação perdida, que mesmo sem olhar, já sabia de quem era.

Começou a ofegar em crescendo. Disparou para o computador e apagou uma pasta inteira de fotos. Enquanto isso, a respiração se tornava mais pesada e audível. Levantou-se deixando a agressividade derrubar a cadeira em um único baque. A garota, então, olhou para si mesma e se sentiu menina, de boba, por tudo que deixara acontecer. Arrancou o vestido verde musgo e tacou-o aos tacos do chão, de raiva. Atravessou aos pulos a cama e puxou a foto sorridente do porta-retrato. Rasgou-a com ferocidade e dentes cerrados. Olhou para o quadro cheio de sorrisos e olhos, do outro lado do quarto. Lançou-se sobre ele em três grandes passadas. Empurrou-os para baixo, soltando-os dos ímãs e deixando que a gravidade fizesse o resto. Depois expirou calmamente.

Ligou o ventilador e deitou-se na cama, exausta de se sentir nauseada por aqueles olhos e sorrisos que não conhecia mais. Fechou os olhos desejando que o vento que a refrescava fosse capaz de varrer o passado para bem longe dali. Ela adormeceu e não viu, mas a cortina no mesmo instante pediu mais vento para poder brincar.

Quando acordou, havia apenas a luz esbranquiçada da lua que batia no chão e depois em seus olhos. Sem sujeira nem bagunça, seu desejo se realizou. Ela rolou na cama espreguiçando-se de felicidade e sentiu o celular tocando suas costelas flexíveis. Segurou-o e verificou a ligação perdida. Naquele instante sentiu-se mais mulher. Não era aquele que a nauseava, mas o que despertava as borboletas do seu estômago. O telefone voltou a tocar quase por coincidência e ela atendeu sem hesitar, curtindo o bater de asas que acalentava e envolvia toda a nova mulher que se tornara.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Can you see?

Sabe quando aquela gotinha de chuva escorre pela folha e dá vontade de chorar? Pelas tristezas que descem depois de virem à tona, pela beleza da vida, simples e acolhedora, reconfortante para os que ainda esperam algo mais. Está tudo sempre tão na cara, tão na frente, que não conseguimos enxergar. Como quando uma estrela ofusca o brilho da outra por parecerem milimetricamente próximas vistas pelos nossos olhos.

Talvez as circunstâncias estivessem me jogando na cara o tempo todo que você desapareceria novamente. Daquele desaparecer que ainda dá notícias, mas parece mais distante que o mutismo. Eu devia esperar. Na verdade, eu já sabia, apenas não fazia questão de imaginar como seria. E agora é, antes mesmo do meu previsto.

A pergunta que fica, porém, no rastro da gota que se despede é: por quê? Por que ainda espero algo disso tudo? Você é sinônimo de tempo, de indefinido. E nada explica esse esperar que se esconde atrás de leveza e risadas. Parece que novamente as circunstâncias tentam me dizer algo. Muito provavelmente, que nossa comunicação é incomunicável demais para haver compreensão. As coisas poderiam simplesmente ser ditas; você já pensou nisso? Seria mais prático e menos decepcionante. Ao menos seria mais fácil, para mim, deixar a gota seguir seu curso de vez se você parasse de dar pistas falsas ou fingir que se importa. É verdade que isto parecerá senso comum – quem disse que nele não há conhecimento prático? –, mas é absolutamente sério quando dizem para não prometer o que não se pode cumprir. E você não pode, nunca pôde, já que nunca cumpriu.

Você sabe como conhecer e como conquistar pessoas, mas talvez não saiba como as suas mesmas palavras que divertem e acalentam os outros podem maltratar esperanças. O fato é que nunca sei realmente quando fala sério. É uma brilhante estratégia quando não se quer nenhum tipo de responsabilidade.

Seja lá onde estiver agora, mais uma vez tentarei não me importar, para que a mágoa possa escorrer e, quem sabe, com ela também vá você. E não se preocupe, pois fecharei os olhos para não ver os rastros desta vez.

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Àqueles que já se magoaram por palavras não ditas.