quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Rio abaixo

Ando tão a flor da pele que tudo me emociona, que o passado me encontra. Abriu uma nascente em mim, aqui no peito, atravessando os ossos, as entranhas, subindo pela cabeça, inundando a mente. Quedas d’água se arriscam pelo queixo, despencando sem pensar, pois não há outro jeito. É questão de vazão. Pelos olhos, pela boca, pela mãos. 

Olhe bem pra mim. Você pode ver aqui dentro? Daqui às vezes acho que estou fora, mas quando me vejo, percebo que nunca saí de mim. Não está bonito. Bonita. Cadê minha beleza, minha magreza, minhas madeixas, minha juventude, meu tempo, minha chance, meus sonhos, minha realidade, minha voz. Cadê a certeza, o desejo, a coragem. Tenho medo de que me confessando eu  esconda algo de mim. Mas talvez eu devesse mesmo é ter medo de acabar me confessando ao me esconder de mim.

Você vem? 

Estou fragmentada.

O que passou retorna. Pessoas aparecem das páginas viradas. Acho que eram páginas marcadas pela orelha. As pessoas retornaram de orelhas dobradas, vermelhas pra saber quem as chamava, ou falava delas. Curiosidade de gente que espera.

Tenho uma esperança. Uma pessoa. Pedra preciosa de rara. É genuinamente bruta. Comecei a lapidar. A esperança. Eu sempre a guardei. Desde que vi esse ser o guardei pelos olhos, em meu abraço, no desejo de descobrir como ele podia brilhar tanto. Nem sei se quero descobrir. Quero mesmo é amar. Tem coisa mais bela?