quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Rigor Mortis?

Deveria ter sido diferente. Mas ele teve de ser impulsivo. Foi quando entendi que de fato eu não sabia o significado da palavra proteção. Na verdade não foi nesse quando que entendi, mas depois. Um depois mais que alguns meros dias, quando eu tive de aprender a proteger alguém que agora terá de aprender por um caminho parecido com o meu e o de tantos outros - quase todos -, porém do seu próprio jeito.

Por que teve de me tirar a vida, não sei se consigo me lembrar por completo. Só não queria tê-lo encontrado novamente. Pior, ter lutado com ele novamente. Não sei o que ele sente, não sei o que sabe. Só não sei como explicar a quem eu protegia sua própria morte por uma briga que parecia completamente minha mas que nem eu entendia. E não entendo ainda.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Sabe o que não existe? Pois é... existe.

Se beijos não são promessas, caro Shakespeare, eles não deveriam ser beijos. Pois eles falam pelos cotovelos; tanto, que estes podem até sofrer de cãibra depois. Uma dor que repuxa, corta, demora. Dura... de fato não penso mais que se trate de algo que algum dia vá embora. Aprendemos apenas a negociar com ela: "um pouco de possível senão eu sufoco", já dizia Foucault. Ele sabia... pensa que não?

E Celine... Ah! Celine. Em algum momento acabamos entendendo o quanto, entre antes do amanhecer e do pôr do sol, a vida transborda. É que tudo cabe nessa dobra que se toca e não se fecha; num dentro-fora que se dilui no agora que já é lembrança antes de ir embora. Um passado que, antes mesmo de chegar, manda, pelo vento, seu recado: "I'll be there".

Confesso: das mais explícitas promessas, essa é a que mais detesto. Por sentir nela a verdade que é, mesmo ainda sem ser; aquela amostra grátis que a gente finge não querer.

Somos mesmo é delicadamente hábeis no cultivo da dor, tanto da que move, quanto da que mata - passando pela que esmaga.

Está chegando a hora de jogar na sua cara o que me engasga.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

sábado, 6 de novembro de 2010

O Reino Encantado de Ali-é-nada

Era uma vez uma menina que sonhava em ter o mundo em seus braços. Ela sabia que eles ainda eram pequenos demais para isso, porém, acreditava que quando virasse gente grande tudo se resolveria. No começo as pessoas achavam que era apenas brincadeira da menina; acreditavam que ela realmente entendesse que a possibilidade de ela abraçar o mundo era tão evidente quanto a de se tornar uma chiquitita.

A menina cresceu, e com ela, a ambição de dar conta daquela esfera encantadora. Seus olhos brilhavam ao imaginar a cena e ela não via a hora de poder realizá-la, enfim, depois de anos de treino às escondidas. O grande dia chegou; um dia que acabou se estendendo também por anos. Isso porque ela não largou mais aquela esfera por mais que não a conseguisse rodear. A menina, agora mulher, convicta, dizia que voltaria para sua vida apenas quando conseguisse abraçar o mundo. Mas de fato ela não conseguiu. E o espanto tomou conta do mundo, porque todos, absolutamente todos, por tão impressionados com aquela convicção de anos, chegaram mesmo a acreditar na força daquela mulher.

Esta mulher, contudo, sempre soube que teria de ceder em algum momento. Afinal, um mundo, não se segura sozinho.

Ok. Mas quando foi que eu pedi ajuda para que o colocassem em minhas costas?

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Leveza...

- O que foi?
- ... Nada. Só estava tentando ler sua mente.
- Hum... E o que você descobriu?
- Ia dizer que era segredo, mas não é nada que você já não saiba.
- ... Posso ao menos saber em que ponto você parou?
- Fui interrompida justamente no ponto em que me perguntava quando é que você me beijaria.

Vi em seu rosto uma surpresa ligeira. Não era susto. E meus olhos, desta vez, pareciam corajosos o suficiente para permanecerem sobre meu objeto de desejo, sem titubearem.

Pude vê-lo segurar um forte suspiro inacabado, enquanto seu pé direito lançava-se sobre aquela insustentável iminência. Em milésimos, seu corpo urgente estava cortando o ar. Vinha em minha direção elegantemente veloz. Parecia vencer o tempo.

A cada passada dele, sentia-me mais imóvel; o ar deixava meus pulmões impiedosamente e meu coração escalava-me a garganta. Certamente as pulsações far-me-iam explodir, se ele não tivesse chegado a tempo de desativar-me. Já podia sentir seu ardor enlevando-me. Fechei os olhos reflexivamente e...

Nada. Tornei a abri-los devagar, agora temerosa quanto ao meu destino. Será que desistira de mim?

Mas ele ainda estava lá, a menos de meio palmo de mim. Sua quentura continuava atingindo-me. Como eu já não mais respirava, tudo que podia ouvir eram os berros em meu peito e as arfadas nervosas (d)ele desnorteando algumas mechas de meu cabelo. Elas dançavam confusas, num ritmo desrítmico, enquanto ele rematava o que restara do espaço entre nós.

Tocou-me. Sua bochecha... na minha. Ainda lá, parecia desenhar borbulhas em minha pele, ao correr minha face com a ponta do nariz. Ele respirava em mim. Agora seus lábios beijavam-me a face e desciam lentamente...

Inacreditáveis...

Ardentes...

Sedutores.

Pacientemente, tocaram os meus. E lá permaneceram passeando levemente, como se tentasse devolver-me o ar com seus ofegos. Não pude me conter diante daquela tensão. Comecei a responder a suas carícias ansiosamente ao mesmo tempo em que deixava minhas mãos tomarem o caminho que quisessem. Elas tocaram-no o tórax... pescoço... mandíbula... nuca. Elevavam-se ao ritmo daquela realidade que de tão transversal, paralela se tornara. Ele apertava-me contra si; suas mãos em minha cintura... contornavam-na vigorosamente.

Fogo. Era tudo o que éramos no momento. Uma intensa labareda invisível. Podíamos apenas sentir-nos um ao outro e afogar-nos naquela impetuosidade extasiante.

Estava amarrotando-me... friccionando-me... inflamando-me. E cada toque fazia-me querer mais um gole daquela perdição.
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... afinal, o ar quente sobe.

Esboço primeiro: 10/11/08.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Trama

Algo se passa, não consigo falar. A fala é palavra e o que sinto é ar. Enche-me, preenche-me, não hei de enxergar. Falta-me, abala-me, me faz avançar.

Forma que escapa, óbvio que não há. Uma vida própria que emerge na minha e afirma. Projeto que se faz sem meu planejar. (In)tensão inventada, fagulha do choque de espada.

Sim, luto. Para salvar-me do engasgo, formular meu grito, desenhar contornos. Pois a luta é do nascimento que não se calcula; do improviso intencionado; da tartaruguinha que tropeça no novo daquele longo percurso breve, hacia el mar. E nessa luta, o raso é a parte mais funda.

O meu projeto é T-amar.
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Aquele que sugeriu o tema, espero que goste.

sábado, 25 de setembro de 2010

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

0 K(illed)?

Desde que se forjou, num lugar sem
Onde, em mim completa, a me atravessar, tornou-se difícil
Responder, tanto à vida que tão cerca e distante resvala,
                     quanto à que não percebe matar meus desejos.


Ainda não sinto os pés no chão.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

domingo, 19 de setembro de 2010

Do meu desespero

Dizem por aí que conhecer é poder. E nunca se pode impunemente, pois quanto mais se sabe, menos se escolhe por inconsciência. O conhecimento se estranha com os desarrazoados, justamente porque estes assim o são para suportar toda uma vida que se crê possível pautada exclusivamente pela razão. Uma vida contida e metida à sabichona; uma vida que quanto mais fala, mais some sem deixar vestígios (parafraseando Luis Antonio Baptista).

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Do que quero

Dormir até mais tarde, tomar banho de chuva, gritar bem alto, pisar descalça no asfalto molhado.
Abrir a boca sem pensar, dizer o que penso sem ter de modular, deixar que o queixo caia ao vê-lo se afetar.
Sorrir com a lua, cantarolar na rua, dormir nua.
Gargalhar da vida, esquecer absurdos, falar a língua dos surdos.
Escrever um livro, dançar um punhado de ritmos, ver o seu umbigo.
Ganhar na loteria, comprar uma casa com piscina, ler revistinhas.
Ouvir seu silêncio, sentir seu alento, dar-lhe um beijinho de esquimó.
Conhecer o que der do mundo, interferir com tudo na vida, lançar-me de olhos fechados na brisa.
Comprar uma camisa distinta, ter a perna sempre lisinha, esquecer das estrias.
Comer porcaria, ir à tapiocaria, beber cappuccino.
Inventar receitas, fazer um filme, ser fluente em outras línguas.
Deliciar-me em chocolate sem culpa, ver filme com áudio original sem precisar de legenda, viajar para a Argentina.
Achar presentes espontaneamente, ter dinheiro para comprá-los, ganhar algum prêmio respeitado.
Ler jornais regularmente, me inteirar mais da política, exercer uma melhor cidadania.
Compartilhar a vida com quem amo, distribuir abraços adoidada, queimar gordura localizada.
Ficar bronzeada, passar um dia sem mão gelada, cantar com tudo o que posso.
Dormir na areia da praia, desfilar no carnaval carioca, ensinar um gringo a sambar.
Andar de patins e bicicleta, pular amarelinha e brincar de pique-pega, comer queijo e goiabada.

Eu quero é amor,
e mais horas no meu dia.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Eleições

Que arte de governar é essa que torna absolutamente normal e mais até, desejável, um discurso de candidatura com repressão e distribuição de renda na mesma frase?

Constantemente me pego sentindo nas entranhas o Brasil que estamos querendo e fazendo/deixando construir.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sem resposta

A gente sabe que não dá mais para ser assim, desse jeito sem fala, sem mais olho no olho. A gente sabe que as marcas estão pintadas na pele e sabemos além da sensação de colorir nossos momentos com as pontas dos dedos e sorrisos disfarçados. A gente sabe que esta distância não se trata de utopia declarada. Uma longidão que nos faz esquecer que um dia fomos acessíveis.

A gente talvez não saiba o motivo dessa trajetória, o que nos faz achar que por isso não sabemos nada. Uma grande falácia. Porque sei do meu corpo e ele está magoado por obra da expectativa. Porque sei que mesmo em dor sem motivo comprovado, faço um esforço para enxergar você na experiência.

Ai, ai... será que o que sinto é falta? Talvez eu ainda não precise de suas palavras. Sua presença agora já me responderia. Mas não vou correr a seu encontro. De algum modo estou fraca, com medo de cair e preferir o chão. Porque amar é estar disposto. E não sei se estamos.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

De roupa suja

Esfregava tensamente tentando apagar vestígios de corpo. E o cheio que deixava de subir era o mesmo que pretendia esquecer enquanto o lembrava pela última vez. As mãos 'embarulhavam-se' na fricção, num subir e descer que menos cansava que saciava, ou melhor, que por cansar parecia acalmar a fome gutural que a fazia salivar. Na verdade, espumava... por unhas e dentes. E abria a corrente-água, deixando-a cuidar do frescor que anseava curtir.

Simplesmente deixava-se esquecer do esforço de ser borracha por uns poucos instantes hipnóticos de exaustão, mas logo retornava aos movimentos violentos de esfregões, apertões, torções e mais quantos 'ões' seus dedos e mãos fossem capazes de fazer. Um exercício de explosão e vocalizações esporádicas, às vezes acompanhadas  de pesados socos. Ocos.

Aquilo doía. O que não importava, enquando o passado ainda estivesse tão presente a ponto de não haver diferença entre a dor de ontem e a que emanava agora de cada milímetro daquelas mãos. Sempre gostou de dizer, e fazia questão: dor é sempre física. Machuca, fere, sangra...

Seus dedos pingavam agora, quase como pingavam seus olhos.

domingo, 22 de agosto de 2010

Contradição?


Escrevo para respirar, mas quando falta em demasia o ar, sequer consigo digitar.

Sei, entretanto, que o que me falta é inspirar - mas no momento não me lembro como.
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Aos bloqueios que a vida às vezes oferece à escrita.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Movendo

Não espere que eu saiba o que escrevo, sinto ou vejo.
Sei apenas do receio do desejo
do seu beijo.

Não espere que eu deseje sem receio.
Se ajo é por não haver rodeio.

Não espere que eu não entre em desespero.
Com a calma vem o medo sorrateiro.

Não espere simplesmente que eu espere.
Paciência até o ponto que me fere.

Não espere, porém, que esse ponto se conserte.
Se houver ferida haverá o que não se reverte.

Não espere.
Venha, mesmo que demore.
E dure,
mesmo que devore.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Durante

Deslizava a sensação da sua mão sobre a minha. O que é pouco, perto de você ao redor de mim, dos seus braços dançando nas minhas costas, dos seus dedos dizendo olá à minha nuca.

Não espere que eu ponha em palavras o que me fez sentir naquela dança de duas músicas. Foi tudo de nós. Você mexeu em mim e comigo, sem dizer uma palavra sobre isso. E passou, registrando-se em minha vida, sem que tocássemos no nosso silêncio.

Eu não entendo e talvez não faça questão de tentar entender. Acho que estou percebendo que realmente não é isso que quero, pela primeira vez. Quem sabe tê-lo aqui já me bastasse. Mas não quero que me baste. Quero que me sinta como acho que foi capaz de me sentir naquele dia aparentemente afásico, em que nos faltou o que fosse, menos presença. Eu pude sentir você e sei que alguma coisa permanece, embora eu não saiba dizer o quê.

Confesso que não estou inspirada para grandes textos nem explicações. Estou é segurando as rédeas do meu corpo, para não descompassar o coração.

Você me desengrena, ainda que eu não saiba exatamente o que isso signifique.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

(Sem assunto)

Estou escrevendo isso hoje, talvez para você, mas não espero que leia.

Queria contar-lhe do abismo no qual às vezes eu quase me atiro, bem no meio de mim. Ele dói agora. Não só agora; já doeu tantas vezes antes que não cabe nas mãos. Mas eu quero que saiba: dói agora. Digo agora não para que tente consertar as coisas na urgência, inventanto alguma pretensão paliativa, mas simplesmente para saber que ainda sinto. Muito. E aviso-lhe da verdade do que temo desde aquele dia que chorei ao seu lado no sofá, antes de mostrar suas malas e sair: eu sempre sentirei. Porque um terremoto mexe nas bases e por vezes lapida abismos, podendo fechá-los eventualmente. E se acaso meu abismo fechar por completo, numa hipótese mágica ou de anestesia geral, saberei ao menos por onde passou a fenda. Afinal, a gente sabe que tudo que se tenta consertar visa encobrir uma estória. Por isso, aviso: não tente consertar agora, porque a estória já tem capítulos demais até aqui e cada página dela é um pedaço de mim. Para apagá-la, apenas apagando a mim. E vida, se é que ainda preciso dizer, não se apaga.

Portanto, o que tenho para dizer é que sei que por tudo isso, quando você acordar, essa estória doerá em você muito mais do que em mim. Porque, caso se deixe sentir ou acordar um dia, caso tenha coragem o suficiente para admitir a si mesmo que foi você quem começou a escrever esta estória, tudo que pesará sobre si serão as vidas - inclusive a sua - que escreveu à próprio punho por suas escolhas-esquivas. Pesará a culpa nua, pura, absoluta, que seus ombros já curvados, receio, não aguentarão.

Hoje percebo que você fugiu, muito mais do que nos abandonou. E na nossa estória elas parecem tão sinônimas que nem sei o que falar, apenas que é a primeira vez que penso isso.

E o que me mata - há um tempo tive a audácia de acreditar que me consolaria - é saber que essa dor abissal, quando e se você deixé-la chegar, será toda sua; terá de aguentá-la sozinho e sobreviver com ela. Porque, como eu disse, um vida não se apaga, sempre se escreve.

Sinto. Muito.
Ass.: S. F.

domingo, 18 de julho de 2010

Abrindo o cofre

Eu ri do meu papel que por sinal não era meu. Era um outro, um alguém artista interpretando num filme o personagem que na vida real será meu. Já é, antes mesmo que seja.

Sei que não está fazendo sentido, mas não se preocupe: é catarse. Se alguma coisa isso incitar em você já é suficiente. Se não incitar nada, melhor ainda. Porque não digo isso para que alguém entenda ou escute. Certo. Então por que estou publicando? Porque o fato de não ser eu mesma que estou escrevendo com esses dedos que costumo dizer que são meus, me dá a coragem de jogar a qualquer um, a qualquer todos ou nenhum o que ultimamente não tenho dado conta de pôr em sentidos.

Isso parece que fala de mim, mas não sei bem se é disso mesmo que fala. As palavras aqui contam uma estória que quer existir e contar-se a si própria. E aqui estou apenas assistindo-a. Não há cronologia, esqueça essa piada de começo, meio e fim. Não há nada disso; nada de palpável aqui. As palavras já quase explodem por se deixarem ser ditas.

Como eu disse, ri do papel, daquela encenação toda que me dá saudade e repulsa, raiva e angústia do está por vir. E ainda tento me consolar dizendo-me que, apesar de toda dor, acordar todos os dias já é a real felicidade - o que acalenta o coração. E já fui tola o bastante para acreditar que isso é suficiente. Às vezes é - não há como negar; depende do humor. E meu humor ultimamente não anda nada bem. Não há graça nem vontade. Felicidade é o cruzar de braços diante do dia: o tédio. Ela foi dar uma voltinha e se perdeu pelo caminho; ou quem sabe de louca foi presa numa clínica psiquiátrica. E pior: talvez eu tenha até assinado os papéis permitindo seu enclausuramento, seu apartar de minha vida.

Como eu disse, eu ri da possibilidade patética que eu posso me tornar, da dor aguda pela qual me recuso um dia a gritar, do desgosto que destempera cada olhar, cada foco e portanto, o mundo inteiro contruído com a razão de meus sentidos. Ah! Como agora eu queria que eles não tivessem razão! Mas querer desse modo é abraçar o impossível e se entregar a ele, ao inevitável, à tragédia, à mesmíssima tecla. Merda.

Como eu disse, eu ri. E pra quem olha de fora não importa o motivo... e mesmo se eu explicasse não faria sentido, porque pela primeira vez percebo que explicar faz perder o que sinto e se for pra perder isso, eu prefiro me calar. E às vezes acho que estou aprendendo isso tão direitinho que já não sei mais o que é amor nem grito. É tudo raiva, não sei se porque a felicidade me deixou ou porque fiz pouco dela. Mas sei que é por bem mais do que isso, mas mais do que isso eu não sei.

Eu ri, tentando transformar em raiva o desespero.

Eu ri, tentando espantar da raiva o meu medo - que não quero tanto assim que seja meu.

Eu ri, mas agora eu não rio mais.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Pensando na vida

- Mana, quando que eu vou crescer?
- Como assim? Você tá crescendo, menino. Acha que já saiu des'tamanho da barriga da mãe?
- Dã. Você fala como se eu fosse criança.
- Você é criança.
- Então eu não cresci ainda, viu? Ainda me chamam de criança!
- Você não é criança porque não cresceu.
- Mas você é maior que eu e te chamam de moça, agora.
- É porque eu não sou mais criança.
- Eu sei que não é, mas não sei por quê. Não é porque você é grande?
- Não.
- Então é por quê?
Ela piscou duplamente.
- Ai! Não faz pergunta difícil, menino!
- Isso é difícil?
- É sim. Não vê que também não sabe responder? Se soubesse não taria perguntando.
- Mas eu pergunto porque achei que você soubesse.
- E por que eu saberia?
- Porque você não é mais criança.
- É... não sou.
- E quando você deixou de ser criança? Foi quando passou a usar desodorante e algodão na calcinha?
- O que é isso, garoto?! Perdeu a noção do perigo?
- Ahn?
- Esquece. E eu não sei quando deixei de ser criança, tá bom?
- Tá. Mas eu posso saber quando eu vou deixar de ser criança?
- Não.
- Por quê?
- Porque não tem como saber.
- Nem se eu escolher a data?
- Não! Claro que não!
- Que saco! Você sempre grita comigo. E ainda saio sem entender nada.
- É porque isso é conversa de gente grande.
- Então eu deixei de ser criança?
- Quantas vezes vou ter que repetir: Não!
- Então por que você tá falando comigo?
- Porque você tá perguntando.
- Mas você não tá respondendo.
- Humpf! Então por que continua perguntando?
- Hum... Não sei. Mas você já é gente grande, não é?
- Talvez, acho que sim.
- Então não quero crescer mais não.
- Por quê?
- Porque não quero ficar burro.
- Ei! Burro é você, garoto!
- Eu não! É você que não sabe responder nada!

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Inspiração "de poucas palavras".

segunda-feira, 7 de junho de 2010

E tudo me divide

Não vejo realidade despedaçada. Antes fosse. Vivo o que, desde o 'de repente' daquele instante há pouco, dissolve, o real que está em mim, em água imprópria, mas nunca inoportuna. Dissolve tudo, sem permissão.

Flutuo com o mundo nas costas. Não por saber voar, mas por perder o chão. A palavra é o que tenta me estabilizar enquanto falo demais e digo de muito.

Em começo, o sentido bateu asas e voou... Indefinidamente

terça-feira, 25 de maio de 2010

Regue-me

Eu treinava olhá-lo pelos olhos enquanto ele me rodopiava entre os dedos feito iô-iô. Olho no olho é tensão quando os lábios não dizem sim. Então sorrimos. Por que não? Era nossa permissão impensada em meio a tantas outras permissões que negociávamos naqueles momentos. Num nada de burocracia, tudo fluiu. Não me ocorreu pensar enquanto guiada por aquela correnteza. Generosa, deixava-me senti-la em cada gota: batia, sorria, voltava e de novo seguia o curso que a música pedia. Suas curvas sabiam como me segurar; deixavam-me dançante, mas não me deixavam escapar - talvez porque eu mesma não quisesse. Aquela correnteza me levava (e eu deixava) para o lugar que fosse. Eu só queria saber se ela me rodearia. Fez mais, muito mais: me abraçou um abraço de dar fôlego e não quis me decifrar. E nos seus olhos lembrei de como seu toque me oferece água para florescer, não para me afogar.

sábado, 8 de maio de 2010

Sentidos sentidos

Quem disse que seria fácil? Essa pergunta me passa a ideia de que para ser bom e agradável precisaria ser constante e estável. Sinceramente, não sei por que temos essa impressão; de que felicidade é sorriso no rosto o tempo todo.
Eu posso chorar e ser feliz, posso duvidar e ser feliz, me incomodar e ser feliz, me machucar e ser feliz, cair e ser feliz, errar e ser feliz, saber da imperfeição que a vida é e ser feliz. Posso sorrir e não me sentir feliz.
Felicidade é aproveitar essa potência que nos atravessa e ao mesmo tempo de nós emana. É sentir que nenhum adjetivo faz jus às experiências da vida. É ver que não faz sentido classificar a vida em parâmetros dicotômicos. E rir do absurdo que a palavra pode fazer com nossa existência. Felicidade é justamente curtir o que escapa à palavra, é viver no indizível. Felicidade para mim é vida. Mas não racionalize, sinta.
A palavra não chega lá, não adianta. Não dá para exprimir o que pulsa na minha carne doída de possibilidades, de beleza latejante. Posso dizer apenas que há dor, da felicidade/vida que não pode ser transmitida, do sentimento-toque que não pode ser compartilhado. Daquilo que precisa furar, penetrar, atravessar e fazer-se sentir em cada um; daquilo que só se pode cercear; do processo. O que está no entre, a dinâmica. O que está por todo lado, mas em nenhum lugar. O imaterial que toca apenas os sentidos, mesmo em (e justamente por) sua impalpabilidade .
Territorialidade, rede, vida. Concerto. Eco. Harmonia.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Enquanto a hora passa sem chegar

Atravessou o corredor espiando cada um por quem passava. Sentou-se nas escadas e da pasta azul-surrada retirou uma leitura. Mirava-a de cabeça baixa. Quando alguém passava, a cabeça se erguia e logo retornava para o texto de letras uniformes. Até que a leitura, na pasta, guardou, a bolsa, da escada, pegou e se levantou. Deu alguns passos diretos e parou. Olhou para o lado, ainda o corredor; suspirou e na porta mais próxima entrou.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A verdade

Quando as palavras realmente não sabem o que dizem, há ao menos o impronunciável que elas tentam cercear. E por ser tanto, mas tão impossibilitado de ser pela linguagem, o que em mim explode e me constitui precisa da síntese estendida, que desperte o sentir do que está além. Hoje o que digo é o não-dito; é o que, por não caber, atravessa.

A pele é o que de(s)limita a existência.
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Para se ter uma noção do quanto uma semana de Freud, Foucault e Forró (e Lacan e Deleuze e etc.; sim, quis deixar os três F's em evidência), mexe com a gente.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"Entre el mundo y mis ojos"

Aquele grito entalado na voz,
Embargando a vida;
Aquela força explodindo em si,
Transgredindo linhas;
A energia flutuando em véu
A pele ardida;
Aquela dor que expande o peito em grito
E alivia.

O grito entalado da vida que se faz em voz,
A força explodindo ardor nas peles-linhas,
A energia transgredindo o grito pela dor de si,
O véu flutuando sobre a vista.

A voz, o si, a linha, o grito, a vida.
O desassossego fingindo não ver o que
Ali via.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Sedução: o jogo do deslumbramento

Paro, o coração transborda. Os batimentos são do corpo inteiro quando toco sua mão. A proximidade dói de uma dor que me desperta loucuras de indecisão. Seus dedos suaves nos meus são como uma paixão adormecida, apesar de estar nascendo, ainda. Queria pular essas partes, todas elas, mas não o faço porque não é o que de fato quero, contudo. O pior é saber que quando nego e digo com agressividade que lutarei para isso (pular, digo), do clichê custe-o-que-custar, sempre minha luta é para me entregar, me arriscar, embora, no fim das contas, eu pareça conservadora demais.

Alguém tem de ver que pular é a parte difícil, mesmo fácil, pois é um se entregar ao desejo. Mas quem disse que o desejo é tranqüilo? Ele corrói e pulsa cada vez mais e ininterruptamente; tem mecanismos que te manipulam. O desejo é mordaz. Um arder perigoso que de forte arranha, rasga, soca, pisa e te conduz para o que mais você quer, apesar do seu sempre-negar dirigido a ele. O negar é ridículo, insustentável; de tão leve, voa e deixa a fúria do algo hedonista em você vir à tona, fazendo-o mostrar a si mesmo o lado que jamais aceitará como seu, embora, graças a Deus, ele exista, para que você tenha o prazer masoquista de sempre desejar um outro que jamais lhe pertencerá, por ser mera projeção de um extremo-suposto-total que de fato não existe no mundo concreto-real.

Então, imagino demais, mas não sou eu que faço isso, é um algo que imagina em mim. E gosto, muito, embora eu sempre grite de uma dor que quer mais. E o fim, que não passa de uma mera pausa para o recomeço, é de um óbvio ridículo; o fim é uma insatisfação atroz, que contraditoriamente me faz buscar o que sei não poder encontrar. Então busco em toda a parte, até mesmo nas pontas dos dedos desse ser que sempre se aproxima mais.

Venha! Eu lhe peço. Mais perto, preciso de mais do que suas mãos em mim. Não provoque a ira do que não posso controlar. Você sabe o que isso significa: a negação pede, afirma, positivamente. Portanto, venha, mais vezes, mais próximo, com mais querer, a cada dia. Não suporto esperar, ao contrário do que afirmei que faria. Mas desta vez suportarei, porque a pressa maltrata a magia.

Sinto que não me olhava assim, não me tocava assim, não fazia questão. Mas por que agora? Fiz alguma modificação? Seus olhos se me apresentam diferentes, suas mãos pedem um toque de carinho e meus dedos simplesmente dão. Incontrolável, você sabe. Por favor, me arrebate! Estou sem ar, sem rumo, sem chão. Ao menos venha e me leve. Meu desejo é você, agora. Nada mais. Nem os problemas me perturbarão, embora sejam aumentados caso você venha. Mas, suplico, não duvide, venha. Quero a certeza do masculino em seus olhos, quero os braços delicados e firmes do meu desejo realizado em suas formas; quero o insaciável. Quero que o desejo doa de tão bom, mesmo que me machuque, pois você foi aquele que em tanto tempo kairós, me aguçou com um algo bem distinto da desgraça que é a indiferença. Quero você e não discuta. Venha.
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A todos nós, meros humanos, meros mortais. Porque se deslumbrar faz viver. Que assim seja.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Dois pra lá, dois pra cá

Tenho fome, muita fome do que não se prova, mas se degusta porque atravessa o corpo, sem dúvida. A fantasia que se cria com toda a intensidade da impaciência. A mão que ora deita, ora corre e sempre se deleita por entre os dedos do alguém que se quer. Um querer o mundo e tudo o que este pode ser de presença, de vida. Um mundo inteiro que vem desde os corpos para outros que o urgem sentir. Então, digo que o que quero é nada menos que o todo que pode ser em qualquer pessoa; mas agora só me serve o todo que vem de você. Deixe-me, pois, assim, sentindo-o pela respiração e ouvindo-o pela fricção. Movendo-me por seus pés, segura por suas mãos. Queira-nos, pois, assim: ‘dançando-nos’.

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À vida que a dança tem; à dança que a vida é.

quinta-feira, 25 de março de 2010

A lucidez que comemora.

Foi sem graça chegar ao lado dele e interromper uma ou duas leituras concentradas. Era o livro e a tela do computador. E ele, à frente desta. Fui direta, talvez meio confusa e tartamuda, tentando encurtar a interrupção. Pensando em como foi, deve ter sido engraçado. Talvez o sorriso sem-um-bom-adjetivo-que-o-defina não tenha aparecido naquele rosto por acaso. Acho que nem respirei; cheguei mesmo de uma vez. Expliquei minha estranha situação, de ter esquecido um arquivo meu no desktop daquele nem-meu-nem-dele computador, e que precisava salvá-lo agora que eu tinha um pendrive em mãos.

Prontamente, ou melhor, antes mesmo que eu parasse de falar, ele já estava de pé, num ato que senti como mais que educação. Certo, aquele computador era público, o que significa que não era nosso, mas, de todo modo, de todo mundo e de qualquer um; logo, era nosso também. E penso que numa lógica muito menos pensada que a minha, ele entendesse isso com mais sensibilidade que a não-simples e bela efetivação de um direito garantido por lei.

Enfim, ele sorriu e cedeu-me a cadeira. Antes de repensar, pensei em não sentar. Isso aconteceu naquelas frações de segundo estendido, quando é tudo tão rápido que cabem mais ações do que nossa consciência pode captar. Assim, sentei, quase antes de sentir que já estava decidido antes de eu dizer que sim.

Sabia que ele estava atrás de mim, com uma presença tão calma e penetrante que fazia meu rosto esquentar e meus sentidos perderem a razão. Sem muita lógica, consegui demorar mais do que sempre numa ação de copiar e colar.

Acho que respirei fundo. Ou não. De qualquer forma, acho que isso se encaixaria muito bem aqui. E levantei. Ele estava me sentindo. Sei disso porque eu o sentia. Ele me olhava e eu queria olhá-lo de volta. E sei que o fiz, já que certamente capturei seus olhos seguros combinando de me tocarem com um sorriso. Era voluntário o que ocorria com seus lábios, mas nada falso. Nem de perto. Talvez os tenha movido pelo sorriso não caber mais em seus olhos. Era lindo de se ver, mas foi tão rápido!

Podia ter durado mais, pensei enquanto agradecia e justificava, sem necessidade alguma, minha atitude de interrompê-lo. Ora, ele merecia uma explicação! Era o mínimo que eu poderia fazer diante de uma cena dessas. Mas nada tinha a ver com a cena, e sim com a sensação acolhedora e prolongada de afetação prazerosa que fora trocada não sei de que forma.

Ele simplesmente ouviu minhas falas finais e desnecessárias sem mover um fio sequer de sobrancelha enquanto se sentava. Sua expressão era serenamente perturbadora, pela presença. Acho que repassando a cena, minha fala era para evitar o silêncio do tempo de guardar o pendrive, e também para tentar chegar ao mínimo de generosidade que aquele homem ofertava.

Assim, não exatamente para terminar ou concluir, ele ofereceu-me tudo em sua leveza falada:

- Pode voltar sempre que precisar.

E saí, sentindo toda aquela lucidez me atritar. E sim, estou faiscando até agora.

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Aos que sorriem com a vida.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Olhando a pilha de História em livros pouco espessos de apenas fatos, pensei: Não quero ler, mas viver a História.
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Ao Dia Internacional da Mulher.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Luz... Now, I Can See

Ele se vai novamente, constatava em sua confortável posição no sofá. Pés para cima, joelhos dobrados, um falso relaxar. É mais uma entrega ao inevitável, uma pose que dizia ‘para que brigar se o segredo deixou de sê-lo ao ser dito? E se ao ser dito perdeu a presença e o conflito?’. Mas desta vez, por mais que ela soubesse de antemão que obviamente ele partiria, não fazia sentido pensar ‘eu já sabia’, porque não era novidade para ninguém. Então não haveria motivo para mágoa, seus pulmões pensaram numa inspiração. Porém, a despeito da razão não encontrar motivos para as aflições, a angústia não disfarçava correr por suas veias.

Os dedos tamborilavam adrenalina no braço do sofá, esperando para o momento em que o raciocínio cedesse e deixasse a potência feminina responder à dor. A cabeça pendeu para trás, deitando os fios com uma delicadeza inocente. Suspirou numa tentativa de afastar o revolver do, há muito, de(sen)cantado. Revoltos, porém, os sentimentos se misturavam sem visível distinção. O que ela mais temia.

Numa expressão de fraqueza, não se forçou mais a pensar, nem mesmo a se manter serena e firme. Isso a deixava respirar sem conflitos, os quais apenas existem na presença da razão que ela acabara de abrir mão – nem que por meros minutos. Podia sentir a paz no frescor do ar, no relaxar dos olhos cansados que se fechavam lentamente; no corpo todo, que longe do pensar deixava-se soltar e pesar sobre os milímetros do sofá, sem vontade de se concentrar em mais nada.

Ela estava livre, em paz, aconchegada em seu ninho seguro no meio da tempestade. Feições de criança quando dorme. Seu coração sabia que agora podia ser sem intromissão da linguagem-verbo. A cabeça, desta vez, pedia calma.

Com olhos sem abrir, os sentimentos enxergava. A intensidade arrebatava os segundos de imobilidade. Ela sentia tudo, apenas e exatamente deixando-se sentir o mais que havia nisso tudo. A pressa da serenidade, a dor misericordiosa. Uma luminosidade sentida, tateada. Um momento divino na escuridão da mágoa. Um clarear sem palavras. Descia a lágrima atravessando o mundo, como a gotinha escorrendo pela folha de pouco tempo atrás.

Seus olhos estavam cerrados, como prometido. Foi o tato que a mostrou os rastros desta vez. Ela se encolheu fugazmente em si mesma num movimento mínimo, não de derrota, mas de destino. Ainda de olhos fechados, as sobrancelhas mostravam como aquilo era doído. Uma dor de não haver mais nada a ser dito.

Numa ânsia de botar-se pra fora de si, ela não bem compreendeu, mas fortemente sentiu a conclusão equivocada do sentimento que não cabia em uma só palavra. No dia em que deixara mais que seus sonhos caírem ao chão, inverteu a sentença do seu coração. Sim, não era mais amor; porém - ao contrário do que afirmara a si mesma e àquele que partira - era muito, muito maior do que sempre fora. E isso fez toda a diferença.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Cuando Acaba la Noche

"É a liberdade de um que se conecta com a liberdade do outro. Nós amamos a ausência de definição do outro, não suas características marcadas e consolidadas." (GITTI, Gustavo; disponível em: http://nao2nao1.com.br/)

Tem vezes que é tão intenso e desordenado que não dá pra escrever. Não um desordenado que não faz sentido, mas daquele que palavras dificilmente conseguem captar. É engraçado como essa sensação mexe no imaginário; faz correr a cortina que tampava a entrada da ponte. A ligação sempre esteve lá, porém jamais sentimos que podíamos atravessá-la e revisitar momentos de outra época que sabemos muito bem qual seja. Mas agora, não por um motivo facilmente palpável, a cortina pareceu-nos tão berrante e a passagem tão clara... foi como um convite. E simplesmente aceitamos, sem saber que estávamos num mesmo momento.

Nostalgia descreve quase bem o que senti, embora cada palavra tenha sido diferente de tudo que eu havia pensado para aquela ocasião – caso ela realmente viesse a acontecer. Estranho complementaria a nostalgia. É isso que dá quando somos surpreendidos pela novidade do óbvio. Recaminhar pelo mesmo espaço com uma nova luz e uma decoração mais leve que pedia para ser vista e admirada; foi exatamente o que fizemos. O que antes estava tão quieto e escondido, agora pedia para ser notado; mais, até. Explorado. Mas a exploração não estava compassada, meus passos se empolgavam enquanto os seus apenas queriam caminhar, sem aumentar o ritmo. Sem coragem para pedir que me acompanhasse, cedi. Apenas freei e senti o seu compasso tomar conta da minha contenção. Era o seu ritmo que estava no ar, nas paredes, nas entranhas daquele lugar. Preenchia tudo, eu não podia me apoderar disso. Afinal, o primeiro passo fora seu e isso fez toda a diferença.

E então percebi que não queria que fosse assim, mas também não queria mudar o que estava sendo. Apenas não queria a conclusão, mas a confirmação de que algumas coisas simplesmente continuam traçando suas histórias, sem cogitarem um fim.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Sinais são viscerais

Ela, nervosa, oscilava em toc-tocs um andar constante e oco. O taco do chão brilhava com as formas destorcidas que quase se refletiam na claridade do dia. A cortina de algodão leve não aprendera ainda como escapar de uma janela escancarada. A criancice do vendo brincava com as formas do pano, que até pediria para ser liberto e levantar voo se a dona do quarto não estivesse tão entretida em suas próprias passadas.

Dentro daquele vestido verde musgo ela parecia até planta, parecia até musgo, daqueles que ficam mais belos quando vistos de pertinho. As mãos se entrelaçavam, os dedos ansiosos não sabiam mais a que mão pertenciam; eram apenas dedos, que se estalavam esporadicamente e apertavam-se constantemente. Os cílios escuros e compridos protegiam olhos que tremiam úmidos. Eles não sabiam como disfarçar que o motivo do tremor estava na tela do computador, na cabeceira da cama, no quadro de fotografias. A garota tinha olhos sufocados, pelo agora estranho que a encarava em todas aquelas fotografias. Ela queria disfarçar-se para não ser vista nem por si mesma, queria ficar do verde do vestido, e estava conseguindo. As mãos se lançaram contra o estômago e logo à boca, enquanto envergava-se e corria banheiro adentro. Apenas abaixou e deixou que o corpo fizesse o restante do trabalho.

Ardia, quando tudo subia. Realidade indigerível. Ou talvez estivesse estragada desde a ingestão, ela pensou enquanto abstraía as contrações que ejetavam mudanças no vaso sanitário. Olhou para o estrago e lembrou como fora difícil de engolir sua última refeição. Talvez histórias sejam perecíveis, afinal, ou tenham que ser conservadas em lugares secos e arejados. Mas estava tudo tão úmido há tanto tempo. E agora, a garota suava frio, não mais esverdeada.

O armário sob a pia dava um bom encosto. Ela se apoiou ali esperando as forças darem o ar de sua graça. Um telefone anunciava, de algum lugar no quarto, que sabia cantar. A menina do vestido verde musgo ajoelhou-se e deu descarga em seus afetos indigeríveis. Respirou fundo entre o incômodo do mal-estar e o do toque do celular. Não fez questão nenhuma de se apressar. Quando voltou ao quarto, o telefone havia se cansado sobre a cama. Uma ligação perdida, que mesmo sem olhar, já sabia de quem era.

Começou a ofegar em crescendo. Disparou para o computador e apagou uma pasta inteira de fotos. Enquanto isso, a respiração se tornava mais pesada e audível. Levantou-se deixando a agressividade derrubar a cadeira em um único baque. A garota, então, olhou para si mesma e se sentiu menina, de boba, por tudo que deixara acontecer. Arrancou o vestido verde musgo e tacou-o aos tacos do chão, de raiva. Atravessou aos pulos a cama e puxou a foto sorridente do porta-retrato. Rasgou-a com ferocidade e dentes cerrados. Olhou para o quadro cheio de sorrisos e olhos, do outro lado do quarto. Lançou-se sobre ele em três grandes passadas. Empurrou-os para baixo, soltando-os dos ímãs e deixando que a gravidade fizesse o resto. Depois expirou calmamente.

Ligou o ventilador e deitou-se na cama, exausta de se sentir nauseada por aqueles olhos e sorrisos que não conhecia mais. Fechou os olhos desejando que o vento que a refrescava fosse capaz de varrer o passado para bem longe dali. Ela adormeceu e não viu, mas a cortina no mesmo instante pediu mais vento para poder brincar.

Quando acordou, havia apenas a luz esbranquiçada da lua que batia no chão e depois em seus olhos. Sem sujeira nem bagunça, seu desejo se realizou. Ela rolou na cama espreguiçando-se de felicidade e sentiu o celular tocando suas costelas flexíveis. Segurou-o e verificou a ligação perdida. Naquele instante sentiu-se mais mulher. Não era aquele que a nauseava, mas o que despertava as borboletas do seu estômago. O telefone voltou a tocar quase por coincidência e ela atendeu sem hesitar, curtindo o bater de asas que acalentava e envolvia toda a nova mulher que se tornara.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Can you see?

Sabe quando aquela gotinha de chuva escorre pela folha e dá vontade de chorar? Pelas tristezas que descem depois de virem à tona, pela beleza da vida, simples e acolhedora, reconfortante para os que ainda esperam algo mais. Está tudo sempre tão na cara, tão na frente, que não conseguimos enxergar. Como quando uma estrela ofusca o brilho da outra por parecerem milimetricamente próximas vistas pelos nossos olhos.

Talvez as circunstâncias estivessem me jogando na cara o tempo todo que você desapareceria novamente. Daquele desaparecer que ainda dá notícias, mas parece mais distante que o mutismo. Eu devia esperar. Na verdade, eu já sabia, apenas não fazia questão de imaginar como seria. E agora é, antes mesmo do meu previsto.

A pergunta que fica, porém, no rastro da gota que se despede é: por quê? Por que ainda espero algo disso tudo? Você é sinônimo de tempo, de indefinido. E nada explica esse esperar que se esconde atrás de leveza e risadas. Parece que novamente as circunstâncias tentam me dizer algo. Muito provavelmente, que nossa comunicação é incomunicável demais para haver compreensão. As coisas poderiam simplesmente ser ditas; você já pensou nisso? Seria mais prático e menos decepcionante. Ao menos seria mais fácil, para mim, deixar a gota seguir seu curso de vez se você parasse de dar pistas falsas ou fingir que se importa. É verdade que isto parecerá senso comum – quem disse que nele não há conhecimento prático? –, mas é absolutamente sério quando dizem para não prometer o que não se pode cumprir. E você não pode, nunca pôde, já que nunca cumpriu.

Você sabe como conhecer e como conquistar pessoas, mas talvez não saiba como as suas mesmas palavras que divertem e acalentam os outros podem maltratar esperanças. O fato é que nunca sei realmente quando fala sério. É uma brilhante estratégia quando não se quer nenhum tipo de responsabilidade.

Seja lá onde estiver agora, mais uma vez tentarei não me importar, para que a mágoa possa escorrer e, quem sabe, com ela também vá você. E não se preocupe, pois fecharei os olhos para não ver os rastros desta vez.

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Àqueles que já se magoaram por palavras não ditas.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Luz, Câmera, Descarga

O reflexo parece de alguém que conheço, talvez alguém que eu não consiga mais reconhecer. O tempo passou e a pessoa dentro dessa imagem que vejo pode ter mudado, pode ter feito de mim um novo eu.

Olho fundo naqueles olhos e sinto vestígios de uma inocência sonhadora que tenta persistir em alguns pontos, mas que podo demais. Vejo aquele sorriso mais aberto, mais simpático, e gosto que ele agora seja assim. As bochechas são mais avermelhadas, dentes menos apinhados, mas os mesmos pontudos de sempre. E os cabelos... Mais charmosos e curtos. Um rosto com mais contorno de mandíbula; gosto disso também.

O que não gosto muito está menos na pele e nas curvas e muito mais nas voltas do destino pulsando não apenas na minha cabeça. Pulsando em mim inteira, em alma, corpo e o que quer que seja. Realmente, o mundo gira, gira, gira e gosta de revisitar lugares – talvez porque eles mudem com as voltas, nem que um mero cambiar de detalhes. Não digo isso porque todo mundo diz, ainda que se dito por muitas pessoas a idéia mostra o mínimo de sentido que faz. Coisas acontecem e mesmo que não avisem, sabemos que continuarão acontecendo. A magia é descobrir o que virá, o que a próxima respiração trará.

Esses dias, com mais uma respiração veio uma visita inesperada. Um velho conhecido bateu à minha porta e gostei tanto de espiá-lo pelo olho mágico que quase me esqueci de abri-la. Mentira, eu jamais esqueceria. Mas a surpresa foi tão gostosa que tentei explodir de empolgação por trás da porta, sem que ele presenciasse minha eufórica e desconcertante reação. Então eu fiquei lá, olhando os olhos dele desviando da porta para o chão, as mãos oscilando do cabelo à campainha. Até que abri, infinitamente nervosa ainda.

Ele vestia verde oliva, minha cor preferida nele, e calça jeans. Impecável. Pele clara, levemente dourada e... Chega. Não quero relembrar o que cansei de ver. Oi, foi o que eu disse. Oi. Dois sem graça na soleira da porta. Já falei que constrangimento me enoja? Não, pode ter certeza que isso eu não falei – para ele, claro. Mas não lhe disse algo tão doce, contudo. Estava com raiva, por tê-lo esperado demais. Tudo bem que não tínhamos marcado nada, definitivamente. Nem me lembro da última vez que olhei para aqueles olhos tão perto de mim. Acho que semana passada, na tela do meu computador. Fotos. Mas ao vivo, não sei. O que está fazendo aqui?, continuei. Vim ver você. Por quê?, perguntei. Porque me lembrei de ter prometido fazer isso uma vez. Não me lembro, falei. Disse que buscaria você para irmos ao cinema. Mas faz muito tempo. Alguns anos... talvez. A voz dele sumiu. Foi a primeira vez que o vi sem graça. E o que significa isso: um retorno após amnésia profunda ou atraso?, perguntei inspirada pela revolta. Ele abaixou a cabeça parecendo sentir dor. Certo, ele não tinha resposta. Nem eu. Restara em mim apenas uma imensa vontade de que ele fosse embora de novo, para que eu me esquecesse logo do seu breve retorno. Mas me surpreendi, ele tinha uma resposta: Isso significa vergonha na cara. Era tudo que eu esperava que ele viesse a ter um dia, pensei. Ele me olhou com estreiteza. Não me contive. Está com dor?, perguntei. E fiquei a ouvir um pouco de silêncio antes da voz dele me dizer: sim, muita. Estranhei num juntar de sobrancelhas. E sem nada para preencher mais outro longo vazio pensei no quanto seus cabelos haviam mudado. Aquilo me incomodou imensamente, por me lembrar do quanto já quis ter aqueles fios entre meus dedos. Claro que já quis arrancá-los – como agora, por exemplo, mais eram tão curtos que não valeria à pena; mas o nó na garganta era por causa das vezes que já quis acariciá-los. Desejos são tão cruéis, pensei. Eles fingem ter ido embora só pelo prazer de retornarem intactos, provando-lhe que aquele reflexo tão diferente no espelho ainda tem muito do que você costumava ser. Dor... Agora somos dois a senti-la – mas isso eu não falei. Ainda era a vez dele: espero que não seja tarde demais. Para quê?, perguntei. Desta vez eu faria tudo ser esclarecido; tentar entender subentendidos não me levara muito longe, apenas a vários tropeços em minhas próprias pernas. Já ouvi tanta resposta no que jamais foi dito... Isso não faz bem, sério. Mas desta vez minha pergunta o forçou a dizer: Espero que não seja tarde demais para um reinvestimento. Olhei-o tentando entender se eu havia escutado direito. Talvez isso o tenha feito confessar mais depressa: Reinvestir em você. Meu coração fundiu com aquelas palavras. Você não tem idéia do quanto esperei por isso, respondi fugazmente embargada. Ele pareceu esperançoso até ouvir o que resto da minha resposta: Mas esperar cansa e com o tempo desencanta. Não vale a pena um reinvestimento agora. E sabe por quê? Porque seu investimento inicial foi tão ínfimo e imperceptível que não fez diferença. Não perca seu tempo com o mesmo projeto. Ele está abandonado há tanto tempo. Você não se mostrou disposto a se dedicar da primeira vez para fazê-lo acontecer. Por que estaria agora? E, incrivelmente, ele insistiu em ter resposta: Justamente pelo pouco que fiz no começo. Eu preciso de uma chance para fazer diferente. Mas nem sempre temos uma segunda chance, rebati. Os olhos dele se encheram de lágrima, o que eu jamais tinha visto nos olhos do ele que eu conhecia. Isso vale para agora?, a voz dele saiu como se não quisesse. Eu brigava com a pouca capacidade dos meus olhos, que mal podiam esperar por verter lágrimas, enquanto tentava fazer minha voz atravessar o bolo invisível que ameaçava fechar a garganta. Sim, concluí. Ele aceitou, talvez por não ter mais voz nem força para segurar o mesmo que eu estava segurando. Se estivesse tão difícil para ele quanto estava para mim, não me restava escolha a não ser devolver-lhe a privacidade. Fechei a porta atrás das costas dele – sim, ele já tinha se virado – e espiei pelo olho mágico. Ele não estava mais lá.

Deslizei a espinha pela porta de madeira ultra-lisa, deixando que todo o resto descesse junto. Tudo, absolutamente tudo meu estava ao chão. Do meu corpo aos meus sonhos. O que eu sentia não cabia em uma só palavra. Eu simplesmente sabia que tinha de ser assim. Não havia segunda chance, não me pergunte por quê. Não, não foi por vingança nem orgulho, mas por dor. Por saber que o que eu sentia era muito, muito maior que antes. Mas não era mais amor.