quinta-feira, 25 de março de 2010

A lucidez que comemora.

Foi sem graça chegar ao lado dele e interromper uma ou duas leituras concentradas. Era o livro e a tela do computador. E ele, à frente desta. Fui direta, talvez meio confusa e tartamuda, tentando encurtar a interrupção. Pensando em como foi, deve ter sido engraçado. Talvez o sorriso sem-um-bom-adjetivo-que-o-defina não tenha aparecido naquele rosto por acaso. Acho que nem respirei; cheguei mesmo de uma vez. Expliquei minha estranha situação, de ter esquecido um arquivo meu no desktop daquele nem-meu-nem-dele computador, e que precisava salvá-lo agora que eu tinha um pendrive em mãos.

Prontamente, ou melhor, antes mesmo que eu parasse de falar, ele já estava de pé, num ato que senti como mais que educação. Certo, aquele computador era público, o que significa que não era nosso, mas, de todo modo, de todo mundo e de qualquer um; logo, era nosso também. E penso que numa lógica muito menos pensada que a minha, ele entendesse isso com mais sensibilidade que a não-simples e bela efetivação de um direito garantido por lei.

Enfim, ele sorriu e cedeu-me a cadeira. Antes de repensar, pensei em não sentar. Isso aconteceu naquelas frações de segundo estendido, quando é tudo tão rápido que cabem mais ações do que nossa consciência pode captar. Assim, sentei, quase antes de sentir que já estava decidido antes de eu dizer que sim.

Sabia que ele estava atrás de mim, com uma presença tão calma e penetrante que fazia meu rosto esquentar e meus sentidos perderem a razão. Sem muita lógica, consegui demorar mais do que sempre numa ação de copiar e colar.

Acho que respirei fundo. Ou não. De qualquer forma, acho que isso se encaixaria muito bem aqui. E levantei. Ele estava me sentindo. Sei disso porque eu o sentia. Ele me olhava e eu queria olhá-lo de volta. E sei que o fiz, já que certamente capturei seus olhos seguros combinando de me tocarem com um sorriso. Era voluntário o que ocorria com seus lábios, mas nada falso. Nem de perto. Talvez os tenha movido pelo sorriso não caber mais em seus olhos. Era lindo de se ver, mas foi tão rápido!

Podia ter durado mais, pensei enquanto agradecia e justificava, sem necessidade alguma, minha atitude de interrompê-lo. Ora, ele merecia uma explicação! Era o mínimo que eu poderia fazer diante de uma cena dessas. Mas nada tinha a ver com a cena, e sim com a sensação acolhedora e prolongada de afetação prazerosa que fora trocada não sei de que forma.

Ele simplesmente ouviu minhas falas finais e desnecessárias sem mover um fio sequer de sobrancelha enquanto se sentava. Sua expressão era serenamente perturbadora, pela presença. Acho que repassando a cena, minha fala era para evitar o silêncio do tempo de guardar o pendrive, e também para tentar chegar ao mínimo de generosidade que aquele homem ofertava.

Assim, não exatamente para terminar ou concluir, ele ofereceu-me tudo em sua leveza falada:

- Pode voltar sempre que precisar.

E saí, sentindo toda aquela lucidez me atritar. E sim, estou faiscando até agora.

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Aos que sorriem com a vida.

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