Ele se vai novamente, constatava em sua confortável posição no sofá. Pés para cima, joelhos dobrados, um falso relaxar. É mais uma entrega ao inevitável, uma pose que dizia ‘para que brigar se o segredo deixou de sê-lo ao ser dito? E se ao ser dito perdeu a presença e o conflito?’. Mas desta vez, por mais que ela soubesse de antemão que obviamente ele partiria, não fazia sentido pensar ‘eu já sabia’, porque não era novidade para ninguém. Então não haveria motivo para mágoa, seus pulmões pensaram numa inspiração. Porém, a despeito da razão não encontrar motivos para as aflições, a angústia não disfarçava correr por suas veias.
Os dedos tamborilavam adrenalina no braço do sofá, esperando para o momento em que o raciocínio cedesse e deixasse a potência feminina responder à dor. A cabeça pendeu para trás, deitando os fios com uma delicadeza inocente. Suspirou numa tentativa de afastar o revolver do, há muito, de(sen)cantado. Revoltos, porém, os sentimentos se misturavam sem visível distinção. O que ela mais temia.
Numa expressão de fraqueza, não se forçou mais a pensar, nem mesmo a se manter serena e firme. Isso a deixava respirar sem conflitos, os quais apenas existem na presença da razão que ela acabara de abrir mão – nem que por meros minutos. Podia sentir a paz no frescor do ar, no relaxar dos olhos cansados que se fechavam lentamente; no corpo todo, que longe do pensar deixava-se soltar e pesar sobre os milímetros do sofá, sem vontade de se concentrar em mais nada.
Ela estava livre, em paz, aconchegada em seu ninho seguro no meio da tempestade. Feições de criança quando dorme. Seu coração sabia que agora podia ser sem intromissão da linguagem-verbo. A cabeça, desta vez, pedia calma.
Com olhos sem abrir, os sentimentos enxergava. A intensidade arrebatava os segundos de imobilidade. Ela sentia tudo, apenas e exatamente deixando-se sentir o mais que havia nisso tudo. A pressa da serenidade, a dor misericordiosa. Uma luminosidade sentida, tateada. Um momento divino na escuridão da mágoa. Um clarear sem palavras. Descia a lágrima atravessando o mundo, como a gotinha escorrendo pela folha de pouco tempo atrás.
Seus olhos estavam cerrados, como prometido. Foi o tato que a mostrou os rastros desta vez. Ela se encolheu fugazmente em si mesma num movimento mínimo, não de derrota, mas de destino. Ainda de olhos fechados, as sobrancelhas mostravam como aquilo era doído. Uma dor de não haver mais nada a ser dito.
Numa ânsia de botar-se pra fora de si, ela não bem compreendeu, mas fortemente sentiu a conclusão equivocada do sentimento que não cabia em uma só palavra. No dia em que deixara mais que seus sonhos caírem ao chão, inverteu a sentença do seu coração. Sim, não era mais amor; porém - ao contrário do que afirmara a si mesma e àquele que partira - era muito, muito maior do que sempre fora. E isso fez toda a diferença.
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