segunda-feira, 13 de julho de 2009

Gosto

ELE
Deslizava como bola de neve pelo seu queixo a gota bonita e vermelha. No rastro, havia o suco perdendo a cor, cada vez mais, até chegar na curva do lábio e então nos dentes e, enfim, na fruta. E a fruta teve seu caminho até lá. Nasceu de um pé de longe, e foi parar em uma mão bem perto de mim. Não era a minha mão, embora eu queira chamá-la de minha. A fruta, se partindo, fazia suco e o suco, escorrendo, fazia voltas na minha cabeça, por conta dos meus olhos que viam aquilo tudo em câmera lenta. Nessa hora eu lembrei do sabor que eu sabia identificar quando era criança. Lembrei o gosto da fruta que eu não consigo mais comer. Lembrei como saber era engraçado. Lembrei como fruta é coisa boa. Voltei para a minha cena em câmera lenta e, nesse momento, prestava atenção nas maçãs do rosto dela. Das covas que haviam embaixo delas, como covas que se faz para plantar pé de fruta. Não conseguiria mais me concentrar para terminar de almoçar.

Ainda tenho fome, embora não queira mastigar. Mas vendo aquele quase suco escorrendo por aquelas covinhas e pedindo para ser provado, degustado pela minha língua, percebi que o que eu sentia era fome. Estou com fome de gosto. Do gosto de sentir o seu cheio no meu paladar. É disso que gosto, do verbo gostar. Gosto quando você finge estar perto só para me alegrar. Quando passa ligeira e deixa a minha boca saturada do seu ar. Ele entra faminto pelas narinas sedentas, ansiosas por te condensar em gotículas que descem discretas até virarem gosto no meu paladar. E sinto fome. A fome do ar. E te degusto. E gosto disso, da fome de te gostar.

ELA
E sinto, entre gostos e burburinhos, algo escorrendo pelo meu queixo. Uma gota. E ela se desprende e segue rente a sei lá o que, porque olhei para baixo rápido demais na inútil tentativa de impedí-la de... Agora é tarde. Aquela gota de acerola diluída marcou minha calça jeans. No fundo, nada demais. Nem deu para desesperar. Mas de tão atenta, pude sentir a gota deixando-se absorver pela calça, e tocando minha pele. Fiquei arrepiada. Um calafrio que partiu da nuca e me tremeu todinha. E tive certeza. Eu estava sendo observada. Petrifiquei e tentei com os olhos encontrar a mesa em que ele estava. Mas meus óculos atrapalharam; visão periférica afetada. Suspirei, ignorei a gotícula incomodante e reconcentrei-me na bandeja ainda cheia de comida que agora não queria mais comer. Perdi a fome. O problema é que eu sabia, ele estava lá. E isso enchia meu estômago de tartarugas. Estranhamente, senti meu coração palpitar. Eu estava dormente.

De fato, não sinto meu corpo daqui. Sinto o tempo escorrendo entre meus dedos, como água de chuva que a gente tenta beber. O tempo passa entre os corredores, pára rapidamente e olha enquanto comemos, mas logo se esvai de novo, antes de conseguirmos olhá-lo. Olho para o relógio. Não estou atrasada. Eu acho engraçado o jeito que ele pensa que eu não sei que ele me olha quando não estou prestando atenção. Ou quando meu rosto fica vermelho... O tempo começou a passar rápido, nos últimos dias; as maiores filas não incomodam mais. A gente bebe suco de minutos, enquanto rimos horas inteiras em um segundo. Não sinto meu corpo daqui. Talvez isso passe quando terminarmos e começarmos a andar aqui por perto, assim que nos encontrarmos lá fora por acaso. Então meu sangue vai circular melhor, minhas pernas irão se mexer melhor, meu corpo todo vai balançar, naquele ritmo gostoso de caminhada sem olhar para o tempo.
______

J.P.

Nenhum comentário:

Postar um comentário