terça-feira, 27 de abril de 2010

Enquanto a hora passa sem chegar

Atravessou o corredor espiando cada um por quem passava. Sentou-se nas escadas e da pasta azul-surrada retirou uma leitura. Mirava-a de cabeça baixa. Quando alguém passava, a cabeça se erguia e logo retornava para o texto de letras uniformes. Até que a leitura, na pasta, guardou, a bolsa, da escada, pegou e se levantou. Deu alguns passos diretos e parou. Olhou para o lado, ainda o corredor; suspirou e na porta mais próxima entrou.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A verdade

Quando as palavras realmente não sabem o que dizem, há ao menos o impronunciável que elas tentam cercear. E por ser tanto, mas tão impossibilitado de ser pela linguagem, o que em mim explode e me constitui precisa da síntese estendida, que desperte o sentir do que está além. Hoje o que digo é o não-dito; é o que, por não caber, atravessa.

A pele é o que de(s)limita a existência.
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Para se ter uma noção do quanto uma semana de Freud, Foucault e Forró (e Lacan e Deleuze e etc.; sim, quis deixar os três F's em evidência), mexe com a gente.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

"Entre el mundo y mis ojos"

Aquele grito entalado na voz,
Embargando a vida;
Aquela força explodindo em si,
Transgredindo linhas;
A energia flutuando em véu
A pele ardida;
Aquela dor que expande o peito em grito
E alivia.

O grito entalado da vida que se faz em voz,
A força explodindo ardor nas peles-linhas,
A energia transgredindo o grito pela dor de si,
O véu flutuando sobre a vista.

A voz, o si, a linha, o grito, a vida.
O desassossego fingindo não ver o que
Ali via.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Sedução: o jogo do deslumbramento

Paro, o coração transborda. Os batimentos são do corpo inteiro quando toco sua mão. A proximidade dói de uma dor que me desperta loucuras de indecisão. Seus dedos suaves nos meus são como uma paixão adormecida, apesar de estar nascendo, ainda. Queria pular essas partes, todas elas, mas não o faço porque não é o que de fato quero, contudo. O pior é saber que quando nego e digo com agressividade que lutarei para isso (pular, digo), do clichê custe-o-que-custar, sempre minha luta é para me entregar, me arriscar, embora, no fim das contas, eu pareça conservadora demais.

Alguém tem de ver que pular é a parte difícil, mesmo fácil, pois é um se entregar ao desejo. Mas quem disse que o desejo é tranqüilo? Ele corrói e pulsa cada vez mais e ininterruptamente; tem mecanismos que te manipulam. O desejo é mordaz. Um arder perigoso que de forte arranha, rasga, soca, pisa e te conduz para o que mais você quer, apesar do seu sempre-negar dirigido a ele. O negar é ridículo, insustentável; de tão leve, voa e deixa a fúria do algo hedonista em você vir à tona, fazendo-o mostrar a si mesmo o lado que jamais aceitará como seu, embora, graças a Deus, ele exista, para que você tenha o prazer masoquista de sempre desejar um outro que jamais lhe pertencerá, por ser mera projeção de um extremo-suposto-total que de fato não existe no mundo concreto-real.

Então, imagino demais, mas não sou eu que faço isso, é um algo que imagina em mim. E gosto, muito, embora eu sempre grite de uma dor que quer mais. E o fim, que não passa de uma mera pausa para o recomeço, é de um óbvio ridículo; o fim é uma insatisfação atroz, que contraditoriamente me faz buscar o que sei não poder encontrar. Então busco em toda a parte, até mesmo nas pontas dos dedos desse ser que sempre se aproxima mais.

Venha! Eu lhe peço. Mais perto, preciso de mais do que suas mãos em mim. Não provoque a ira do que não posso controlar. Você sabe o que isso significa: a negação pede, afirma, positivamente. Portanto, venha, mais vezes, mais próximo, com mais querer, a cada dia. Não suporto esperar, ao contrário do que afirmei que faria. Mas desta vez suportarei, porque a pressa maltrata a magia.

Sinto que não me olhava assim, não me tocava assim, não fazia questão. Mas por que agora? Fiz alguma modificação? Seus olhos se me apresentam diferentes, suas mãos pedem um toque de carinho e meus dedos simplesmente dão. Incontrolável, você sabe. Por favor, me arrebate! Estou sem ar, sem rumo, sem chão. Ao menos venha e me leve. Meu desejo é você, agora. Nada mais. Nem os problemas me perturbarão, embora sejam aumentados caso você venha. Mas, suplico, não duvide, venha. Quero a certeza do masculino em seus olhos, quero os braços delicados e firmes do meu desejo realizado em suas formas; quero o insaciável. Quero que o desejo doa de tão bom, mesmo que me machuque, pois você foi aquele que em tanto tempo kairós, me aguçou com um algo bem distinto da desgraça que é a indiferença. Quero você e não discuta. Venha.
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A todos nós, meros humanos, meros mortais. Porque se deslumbrar faz viver. Que assim seja.