sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Esper-ar

Lembro-me que respiro e isso me desnorteia. Basta puxar a ponta do fio para desatar o novelo. Depois que sei, não sei como deixar de saber. Preciso esquecer para respirar em paz. Lembro-me de notar meu coração bater. Isso o torna pesado, feito barco contra a maré. Mas a verdade é que me falta água. Aqui dentro. Secura no peito. Eu não sei nadar. Parece que meu sangue escasseia. Parece sede, talvez seja. Quero beber. Dos seus lábios. Dos seus olhos. Do seu sorriso. Do seu toque. Da sua voz. Ouço seu canto quando lembrar não é suficiente. Por dias me esqueço, penso que passou o dobro do tempo. A esperança faz um segundo ser dois, pois é o tempo de você vir mais o tempo de você chegar. Ou o tempo de eu ir mais o tempo de te encontrar. Imagino. Ou me lembro. Ou imagino? Eu me lembro, mas o que recordo pode não ser o que foi. Não sei mais se o que passou, passou, ou se virou outra coisa. A gente costuma ignorar o que não consegue ver. A gente costuma também se distrair com as palavras. Sou eu tão fiel quanto elas? Confio apenas nas palavras que saem porque conseguiram escapar. Palavras são desejos condensados que podem se dissipar. A qualquer momento. Não há verbo que nos defina ou que precise o que um ser é capaz. O que esperar, então? Do que preciso quando aguardo? Como seguir quando se espera? Meu desejo é um hífen entre a inércia e a aceleração. Ando-esper-ando-esper-ando-esper-ando.

domingo, 14 de outubro de 2018

Elogio ao amor

Meu coração pulsa uma palavra por segundo. Faz correr memórias pelas veias e marcar, cada célula, de vida. Meu corpo conta histórias que não ouso esquecer. Aprendi que amor é aventura. É acreditar no que não se pode confiar. É intensidade, é mergulho. É querer segurar o giro do mundo, parar o tempo sem que ele pare de passar. É se envolver, é falhar. É o hoje, mesmo que doa amanhã. E mesmo que não doa, é sentir que quanto mais se ama, mais se é livre para amar.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Prosa de cinco faces

Agora só sei cantar. Falar em cifras. Pareço esquecer-me de como se escrevem as prosas da vida.

Dizem que intuir é belo. O modo como algumas pessoas apenas sabem, sem muito saber. Os chamados artistas prontos. Sim, é belo. Como o frescor da manhã antes do sol despontar. Aquele ar que entra e te leva para outro lugar. Dá vontade de amar. 

Ontem quis te amar. Mesmo sendo noite o ar da manhã estava entre nós. Vindo dos meus cabelos e do seu sorriso. Seus óculos me lembraram de alguém que amei. Aquela lembrança sem encaixe, feito tampa que entorta com o calor. Não gostei, mas achei graça quando os mesmos óculos fizeram de você uma versão caricata de um personagem de cinema. 

Você cresceu. Não é algo físico, embora me afete fisicamente. Virou homem. Isso não é para soar como a tia babona. Simplesmente, você vibrou em outro tempo, soou em novo tom, tomou outro corpo de si mesmo. Foi belo. Eu quis estar perto, experimentar, tocar. Diriam que te vi com outros olhos. É uma boa frase, até em sentido literal. Assim como você virou homem, eu me tornei mulher. Torno-me a cada dia. Então meus olhos que te viram muito tempo atrás não são mais meus. Embora sempre a mim pertencentes, eu não pertenço mais àqueles meus olhos. Venho trocando-me, incessantemente, de mim. Talvez viver seja isso.

O tempo é espelho. Faz a gente se olhar e se ver. Assim me enxergo mulher. E te vejo melhor.

domingo, 22 de abril de 2018

O Radical de Si ou Exercício de Lógica

Se posso ser o que não sou, sou também aquilo que achei que não fosse. Porque só posso ser aquilo que sou, sou aquilo que não sou.

domingo, 18 de março de 2018

Poça d'água

Tem muita coisa sendo compreendida. Isso lhe tira as palavras, a inspiração. Tudo o que sabe é jogar fora. O ar.
Sufoco. Verbo ou substantivo? Os dois. É como ter espinhos.
Esqueceu-se de como se aproximar.
Sabe bagunçar o peito, arrastar o coração ao abismo.
Sai correndo de si mas isso é tudo que pode levar consigo.
Anda desfazendo laços.
Egoísmo vicia, afasta, isola, gela. Quebra relações. Ou apenas protege a pele dos cacos.
Superfície intacta.
Não entende de profundezas. Desconhece suas camadas.
Refém do medo de ser mais, teme se afogar em terra firme.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Até não dar mais pé

Ir fundo. Sustentar-me nas profundezas. Não sei nadar. Sempre me mantive no raso, flertando com a parte mais funda. Ouso caminhar em direção ao que não dá pé, mas paro antes de me tirar o chão. Por quê? Por que achar que do chão não passo? A morte do corpo é certa e, em carne, não me penso em outro destino senão o subsolo. Por que acredito que o solo é concreto demais para deixar de ser? O que dizer dos terremotos, então?

A vida é sábia. Até posso aprender com as contradições que ela espelha em mim, mas não é fácil. Ser humana é ser bicho estranho que, onde pensa, acha que se sabe, mas onde não sabe que pensa, se é.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Presente

A chuva cai inabalável. Tranquila. Quente. Verão. O horizonte se dissolve no mar e a tarde finda leve feito raio de sol.

As folhas se balançam contidas, como minhas certezas recém-criadas. A dúvida pesa como a respiração em dias úmidos. A incerteza vem em ondas rasteiras.

Borboletas vêm me visitar convocando-me a amar e a lidar com meus receios.

O que sinto sabem as flores. Elas me expressam melhor do que sei.

Saudade é terra fértil que me faz crescer.