É incrível como você me percebe de modos que eu ainda não me percebi e me descobre de um jeito todo seu, que passa também a ser meu... e perdura. E vai perdurar ainda que a gente desfaça a nossa dupla. É que esse seu jeito que me encanta, encanta-me justamente por não ser seu, mas entregue ao mundo. Um jeito que paira feito ar e envolve como a trilha sonora acertada: compõe; não exagera nem falta na medida em que está. Como um grande (a)caso perfeito, justamente por sabermos que perfeição não há. Esse seu jeito é feito ar também porque atravessa e penetra mansinho quando estou a respirar. Vai ganhando espaço como quem diz que sabe esperar e, assim como ir, voltar. E aí eu brinco de ser leve e faço que finjo não saber que o que você diz ainda não sabe bem fazer. Ou nunca saberá, mas nunca eu não gosto, porque afirma a negação mais distante e infinita que há. E o infinito é tão eterno que paralisa. Um tempo tão longo que chega a não ter fim; mas não tem começo tampouco e é isso que sufoca. É como se o nunca afastasse, mas ele nos aproxima do que não tem saída. O bom é que você, feito ar, vai de brisa a ventania e ainda que não saiba ou queira, também se retira, nem que seja por pressão ou empurrão.
Receio estar o empurrando demais ultimamente. Chega a me assustar o jeito que você se rearranja mesmo assim, pressionado, feito quem não deixa se sentir desconfortável. Você não reclama. Parece querer me dizer que recuar não é perder seu próprio espaço, mas oferecê-lo para que eu me expanda. Isso é lindo, não é? E eu nem tinha pensado assim antes deste exato momento. Talvez você mesmo nem o tenha feito ainda. Mas não importa... tem sempre algo que pensa em nós (não sei se dentro, mas na gente) e nos pega de surpresa. É como se não fosse nosso porque a gente não sabe explicar, porque parece brotar; mas é... a gente sente. E isso é uma das coisas mais vastas, ricas e vivas que as pessoas andam a me ensinar dia após dia.
E nessa dança de avanço e recuo não sei o que se passa, mas a gente não está conseguindo se encaixar. Talvez eu não esteja conseguindo me expandir, talvez eu tenha medo de aceitar a sua oferta por esta ser bela demais. Talvez eu tenha vergonha de admitir que eu precise que você recue mais. Em pensar que você demonstra simplesmente me aceitar, sem medo algum de me dizer “venha”. Isso me encanta! Uma oferta tão irresistível que me freia. Porque se eu for terei de me jogar para ocupar e até conquistar mais do seu espaço. E o que é isso senão um incrível e radical jogo de contato? E acredite, você sabe jogar isso melhor do que eu. Mas se quisermos seguir teremos sempre que nos dispor a criar e atualizar regras. É fato que a gente vai se machucar; tenho medo disso. Não sei se da dor em si, da cicatriz, do contato...
Disseram-me outro dia que me escondo. Curioso isso, pois desde então passei a tentar encontrar minha pele: meu esconderijo. E agora eu rio deste absurdo que era o meu medo de pique-esconde... talvez meu medo fosse o de realmente me encontrarem; de me verem como apenas eu me permito ver e, então, me tocarem.
De repente você se vira e me diz que não há porque ter medo, só há nós dois aqui. Esse é o problema, eu respondo. E então você acha que eu me envergonho de você, mas a situação é mais impessoal que isso, de tão pessoal que é. O problema é ter alguém além de mim, eu digo. Mas você não tem medo nem dos meus maiores medos nem do medo que descubro ter de mim. E você insiste em trazer-me à tona no ápice da vulnerabilidade para que então eu sinta a confiança de ser genuinamente aceita, por mim mesma porque por além-de-mim ... até que eu me retraia novamente.