quinta-feira, 29 de julho de 2010

(Sem assunto)

Estou escrevendo isso hoje, talvez para você, mas não espero que leia.

Queria contar-lhe do abismo no qual às vezes eu quase me atiro, bem no meio de mim. Ele dói agora. Não só agora; já doeu tantas vezes antes que não cabe nas mãos. Mas eu quero que saiba: dói agora. Digo agora não para que tente consertar as coisas na urgência, inventanto alguma pretensão paliativa, mas simplesmente para saber que ainda sinto. Muito. E aviso-lhe da verdade do que temo desde aquele dia que chorei ao seu lado no sofá, antes de mostrar suas malas e sair: eu sempre sentirei. Porque um terremoto mexe nas bases e por vezes lapida abismos, podendo fechá-los eventualmente. E se acaso meu abismo fechar por completo, numa hipótese mágica ou de anestesia geral, saberei ao menos por onde passou a fenda. Afinal, a gente sabe que tudo que se tenta consertar visa encobrir uma estória. Por isso, aviso: não tente consertar agora, porque a estória já tem capítulos demais até aqui e cada página dela é um pedaço de mim. Para apagá-la, apenas apagando a mim. E vida, se é que ainda preciso dizer, não se apaga.

Portanto, o que tenho para dizer é que sei que por tudo isso, quando você acordar, essa estória doerá em você muito mais do que em mim. Porque, caso se deixe sentir ou acordar um dia, caso tenha coragem o suficiente para admitir a si mesmo que foi você quem começou a escrever esta estória, tudo que pesará sobre si serão as vidas - inclusive a sua - que escreveu à próprio punho por suas escolhas-esquivas. Pesará a culpa nua, pura, absoluta, que seus ombros já curvados, receio, não aguentarão.

Hoje percebo que você fugiu, muito mais do que nos abandonou. E na nossa estória elas parecem tão sinônimas que nem sei o que falar, apenas que é a primeira vez que penso isso.

E o que me mata - há um tempo tive a audácia de acreditar que me consolaria - é saber que essa dor abissal, quando e se você deixé-la chegar, será toda sua; terá de aguentá-la sozinho e sobreviver com ela. Porque, como eu disse, um vida não se apaga, sempre se escreve.

Sinto. Muito.
Ass.: S. F.

domingo, 18 de julho de 2010

Abrindo o cofre

Eu ri do meu papel que por sinal não era meu. Era um outro, um alguém artista interpretando num filme o personagem que na vida real será meu. Já é, antes mesmo que seja.

Sei que não está fazendo sentido, mas não se preocupe: é catarse. Se alguma coisa isso incitar em você já é suficiente. Se não incitar nada, melhor ainda. Porque não digo isso para que alguém entenda ou escute. Certo. Então por que estou publicando? Porque o fato de não ser eu mesma que estou escrevendo com esses dedos que costumo dizer que são meus, me dá a coragem de jogar a qualquer um, a qualquer todos ou nenhum o que ultimamente não tenho dado conta de pôr em sentidos.

Isso parece que fala de mim, mas não sei bem se é disso mesmo que fala. As palavras aqui contam uma estória que quer existir e contar-se a si própria. E aqui estou apenas assistindo-a. Não há cronologia, esqueça essa piada de começo, meio e fim. Não há nada disso; nada de palpável aqui. As palavras já quase explodem por se deixarem ser ditas.

Como eu disse, ri do papel, daquela encenação toda que me dá saudade e repulsa, raiva e angústia do está por vir. E ainda tento me consolar dizendo-me que, apesar de toda dor, acordar todos os dias já é a real felicidade - o que acalenta o coração. E já fui tola o bastante para acreditar que isso é suficiente. Às vezes é - não há como negar; depende do humor. E meu humor ultimamente não anda nada bem. Não há graça nem vontade. Felicidade é o cruzar de braços diante do dia: o tédio. Ela foi dar uma voltinha e se perdeu pelo caminho; ou quem sabe de louca foi presa numa clínica psiquiátrica. E pior: talvez eu tenha até assinado os papéis permitindo seu enclausuramento, seu apartar de minha vida.

Como eu disse, eu ri da possibilidade patética que eu posso me tornar, da dor aguda pela qual me recuso um dia a gritar, do desgosto que destempera cada olhar, cada foco e portanto, o mundo inteiro contruído com a razão de meus sentidos. Ah! Como agora eu queria que eles não tivessem razão! Mas querer desse modo é abraçar o impossível e se entregar a ele, ao inevitável, à tragédia, à mesmíssima tecla. Merda.

Como eu disse, eu ri. E pra quem olha de fora não importa o motivo... e mesmo se eu explicasse não faria sentido, porque pela primeira vez percebo que explicar faz perder o que sinto e se for pra perder isso, eu prefiro me calar. E às vezes acho que estou aprendendo isso tão direitinho que já não sei mais o que é amor nem grito. É tudo raiva, não sei se porque a felicidade me deixou ou porque fiz pouco dela. Mas sei que é por bem mais do que isso, mas mais do que isso eu não sei.

Eu ri, tentando transformar em raiva o desespero.

Eu ri, tentando espantar da raiva o meu medo - que não quero tanto assim que seja meu.

Eu ri, mas agora eu não rio mais.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Pensando na vida

- Mana, quando que eu vou crescer?
- Como assim? Você tá crescendo, menino. Acha que já saiu des'tamanho da barriga da mãe?
- Dã. Você fala como se eu fosse criança.
- Você é criança.
- Então eu não cresci ainda, viu? Ainda me chamam de criança!
- Você não é criança porque não cresceu.
- Mas você é maior que eu e te chamam de moça, agora.
- É porque eu não sou mais criança.
- Eu sei que não é, mas não sei por quê. Não é porque você é grande?
- Não.
- Então é por quê?
Ela piscou duplamente.
- Ai! Não faz pergunta difícil, menino!
- Isso é difícil?
- É sim. Não vê que também não sabe responder? Se soubesse não taria perguntando.
- Mas eu pergunto porque achei que você soubesse.
- E por que eu saberia?
- Porque você não é mais criança.
- É... não sou.
- E quando você deixou de ser criança? Foi quando passou a usar desodorante e algodão na calcinha?
- O que é isso, garoto?! Perdeu a noção do perigo?
- Ahn?
- Esquece. E eu não sei quando deixei de ser criança, tá bom?
- Tá. Mas eu posso saber quando eu vou deixar de ser criança?
- Não.
- Por quê?
- Porque não tem como saber.
- Nem se eu escolher a data?
- Não! Claro que não!
- Que saco! Você sempre grita comigo. E ainda saio sem entender nada.
- É porque isso é conversa de gente grande.
- Então eu deixei de ser criança?
- Quantas vezes vou ter que repetir: Não!
- Então por que você tá falando comigo?
- Porque você tá perguntando.
- Mas você não tá respondendo.
- Humpf! Então por que continua perguntando?
- Hum... Não sei. Mas você já é gente grande, não é?
- Talvez, acho que sim.
- Então não quero crescer mais não.
- Por quê?
- Porque não quero ficar burro.
- Ei! Burro é você, garoto!
- Eu não! É você que não sabe responder nada!

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Inspiração "de poucas palavras".